Os Estados Unidos começam a questionar a militarização de sua polícia


Manifestantes com as mãos para o alto, no gesto universal de rendição. Diante deles, agressivos agentes da polícia em uniforme de combate, armados até os dentes e com o apoio de franco-atiradores posicionados em veículos blindados. Nos últimos dias, a opinião pública norte-americana acompanhou atônita esse tipo de cena, mais típica de Gaza ou do Iraque do que de um pequeno subúrbio do Meio Oeste do país.
Além do incidente propriamente dito, a morte do jovem Michael Brown a tiros por um policial em  Ferguson (um subúrbio de St. Louis, em Missouri), a dura resposta policial aos protestos desencadeados pela morte dele colocou em evidência o problema que muito especialistas já alertavam há tempos: a excessiva militarização da polícia dos Estados Unidos.
“A militarização de nossas ruas não corresponde com a forma de governo democrático que temos em nosso país”, denunciava nesta sexta-feira o congressista Hank Johnson. O democrata da Geórgia é autor de um projeto de lei para desmilitarizar a polícia, que até agora havia encontrado pouco eco entre seus colegas parlamentares. Mas, depois dos incidentes de Ferguson, parece que algo está mudando.
Os pedidos para que este fenômeno seja mitigado se multiplicaram.
“Temos que desmilitarizar esta situação, este tipo de resposta policial transformou-se no problema, em vez de solução”, criticava Claire McCaskill, senadora democrata para o Estado de Missouri. Mas os questionamentos, desta vez, também chegam do grupo conservador, algo mais raro em um país onde o direito de portar armas continua sendo sacrossanto para a maioria. “Temos que desmilitarizar a polícia”, exigia o republicano Rand Paul, em um editorial para a revista Time.
Até mesmo o procurador-geral dos EUA, Eric Holder, declarava esta semana estar “profundamente preocupado pelo fato de que o uso de armamento e veículos militares esteja enviando uma mensagem contraditória”.
Boa parte do material militar em mãos dos agentes de polícia em todos os EUA tem sua origem no Programa de Excesso de Propriedade do Departamento de Defesa, conhecido como “Programa 1033”. Desde os anos noventa, permite ao Pentágono transferir para policiais locais material bélico excedente a preços baixos –especialmente abundante desde o fim das guerras do Afeganistão e do Iraque– para atividades relacionadas com a luta contra o narcotráfico e possíveis casos de terrorismo, embora a União Americana de Liberdades Civis (ACLU) afirme que seu uso é muito mais amplo.
Segundo a ACLU, que em junho publicou justamente um estudo denunciando esta situação, chamado “A Guerra Chega em Casa: a Excessiva Militarização da Polícia Norte-Americana”, apenas no Arizona, o Programa 1033, juntamente com generosas subvenções federais, permitiu às autoridades locais, entre eles o xerife Joe Arpaio, famoso por sua mão pesada contra os imigrantes sem documentação, adquirir armas como metralhadoras de tal calibre que “disparam balas capazes de atravessar edifícios”, segundo a ACLU. Soma-se a isso um arsenal composto, entre outras coisas, de 64 veículos blindados, 704 equipamentos de visão noturna e 17 helicópteros.

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