Nenhum governante pode gabar-se da realização da Copa no Brasil

O Brasil é no decorrer dos próximos dias, oficialmente, a sede do futebol. Quando o primeiro apito soou no Itaquerão, nosso país ficou no centro do mundo, e bilhões de pessoas estavam na mesma sintonia, ligados pelo amor ao futebol.
Para chegarmos até aqui vivemos uma verdadeira montanha-russa de emoções, com atrasos, acidentes e protestos. Mas, e agora, devemos celebrar a Copa?
Tudo iniciou em 2007, em Zurique - eu, Romário, estava lá -, quando o Brasil foi confirmado como sede do Mundial em 2014. Um sonho. Depois de 60 anos, o único país que participou de todas as Copas e carrega cinco estrelas no peito seria novamente sede da competição.
Fiquei emocionado. O anúncio soou como vitória, mas o Brasil era candidato único. Ainda assim, foi um alento para o brasileiro torcedor. Nossa seleção havia sido eliminada da competição no ano anterior pela França, nas quartas de final. Naquele ano, a Itália levou a taça. Um único pensamento permeava a mente de toda população: a chance do Brasil ser campeão em casa!
Três anos se passaram, e muito pouco se ouviu falar em Copa do Mundo. Chegou 2010, Copa da África do Sul. E, novamente, o Brasil é eliminado nas quartas de final, dessa vez pela Holanda. A Copa chega ao fim, um último apito soa em território africano, e a Espanha – em êxtase – ergue a taça.
O ciclo do Mundial então se inicia novamente. É o Brasil, é o momento do Brasil. Todas as lentes do jornalismo esportivo se viram para nós. E esperança volta a saltitar no peito: vamos ser campeões em casa!
Mas somente em janeiro de 2010, com todas as cidades-sede escolhidas, o governo brasileiro lança a primeira Matriz de Responsabilidade da Copa. (...) Hoje sabemos que nem metade dessas obras viria a se realizar.
Os anos seguintes seriam cruciais para o Brasil, e a organização dependia da competência e organização de governadores. O governo federal liberou crédito para obras dos estádios e as de mobilidade. Alguns projetos sequer foram apresentados. O atraso já era visível, o preço dos estádios era uma curva crescente e as obras de mobilidade eram riscadas da matriz a cada nova atualização.
Em 2011, chegou à Câmara dos Deputados a Lei Geral da Copa. O texto era um remendo das garantias feitas à Fifa em 2007. Uma série de exigências que resguardavam a entidade e seus parceiros comerciais. (...) O texto foi sancionado no ano seguinte pela presidente Dilma Rousseff. Ainda em 2011, iniciei uma série de visitas às cidades-sede do Mundial e foi ali que iniciaram minhas críticas à preparação da Copa. (...)
O que vi em 2011 foram governantes se gabando de grandes intervenções urbanas que mudariam a vida da população. Tudo apresentado em maquetes e ilustrações no computador - obras de ficção.
Em meio a este cenário, os custos dos estádios subiam, para atender o "padrão Fifa", e a nossa seleção caía no ranking mundial, amargando derrotas. Vieram a desesperança e as manifestações de rua contra o padrão Fifa, inclusive. (...) O debate polarizou em "contra a Copa" e a "favor da Copa". Foi um desvio de caminho.
Não é o Mundial em si, mas a forma como ele foi planejado e executado. Erraram todos: governos federal e estaduais, e a Fifa. O primeiro não acompanhou e cobrou como deveria os governos estaduais, o segundo foi incompetente, e a Fifa errou ao impor um modelo de negócio que só gera lucro para ela e seus parceiros comerciais, e prejuízo aos países em desenvolvimento.
Agora, o Brasil está decepcionado. Logo nós, que tanto amamos o futebol. (...)
Mas não podemos esquecer que o futebol é a grande paixão do brasileiro, nem nos sentirmos culpados por torcermos pela nossa seleção neste momento de crise.
Por isso, lembro bem das palavras de Nelson Mandela na abertura da Copa de 2010. Ele disse: "O esporte tem o poder de inspirar e unir. Na África, o futebol desfruta de grande popularidade e tem um lugar especial no coração do povo."
As palavras de Mandela servem para o Brasil. Aqui também "o futebol tem lugar especial no coração do povo". É por isso que devemos festejar.
Vamos deixar o mundo com gostinho de quero mais, porque esta Copa pertence a cada brasileiro. Foi construída com dinheiro público e o suor de muitos operários deste país. Nenhum governante pode gabar-se da realização deste Mundial. É por isso que devemos celebrar. Não é justo com o país que paralisações, greves e manifestações atrapalhem o Mundial.
Texto de Romário de Souza Faria