Existe uma parcela da população da qual quase ninguém se lembra. Na qual praticamente ninguém mais acredita e que são sempre os últimos na ordem de prioridades do Estado. São pessoas que erraram — e não há dúvidas de que todo erro deve ser punido. Mas, na mesma proporção, deve ser perdoado, porque todo mundo tem direito a uma segunda chance.
E o mais triste nessa história é que esse grupo dos esquecidos não para de crescer: o Brasil tem hoje a quarta maior população carcerária do mundo. Traduzindo em números, são cerca de meio milhão de pessoas atrás das grades.
Antônio Galdino da Silva Neto, de 46 anos, natural da cidade de Patos, no sertão da Paraíba é dono de uma impressionante história de superação e também já fez parte dessa estatística. Ex-policial militar, um dia, ao chegar em casa bêbado e discutir com sua esposa, ele disparou um tiro que a matou. “Foi acidental. Queria pegar a arma apenas para intimidá-la. Ela morreu nos meus braços”, relembra ele o caso que o colocou atrás das grades durante 4 anos e meio.
Após esse período, ele passou a cumprir o resto da pena que totalizava 15 anos e 8 meses em regime semiaberto. Mas antes disso, conheceu o inferno na terra. Quem já passou por uma prisão sabe que, apesar do clichê, não existe melhor definição. Jogado em uma cela pequena e imunda, ele logo foi reconhecido pelos novos companheiros como o antigo policial linha dura. “Perdi as contas de quantas pessoas já matei no passado”, confessa ele, que foi agredido, perseguido e ameaçado de morte. “Vi gente apanhando, sendo estuprada, vi de tudo. Queria pedir socorro, mas não tinha quem ajudasse”, conta.
Sem esperanças e esquecido por todos, achou que apenas a morte o tiraria daquele sofrimento. “Eu simplesmente esperava pela morte lá dentro, achei que não tivesse mais jeito”, relembra ele. Até aqui, a história de Galdino repete a de tantas outras pessoas que chegaram à Universal. Desiludidas, desenganadas, desprezadas e no fundo do poço. Mas existe um segredo para transformar todos esses ingredientes em uma história de sucesso. E Galdino descobriu isso: o fundo do poço é o lugar perfeito para impulsionar o voo mais alto.
Um dia, ao receber a visita de voluntários da Universal, ele determinou a mudança. Era aquilo ou permitir que o desejo de morrer ganhasse. “Um pastor falou comigo e foi direto ao ponto. Ele disse que havia como o meu sofrimento acabar e que tudo podia mudar, mas dependia unicamente de mim.” Aquelas palavras acenderam uma pequena chama de esperança em Galdino. “Mas por causa do meu orgulho, nem dei muita atenção”, conta.
Um dia, durante uma nova visita, ele chamou o pastor para conversar e confessou: “Eu acredito no que o senhor me disse”. A única reação do pastor diante daquela vida que implorava pela mudança foi orar. “O poder daquela oração foi tão forte que foi um divisor de águas na minha vida. Depois de 20 dias me batizei junto a outros 26 presos em uma piscina improvisada, daquelas infantis. Mas quando estamos decididos a mudar nada disso importa. Era exatamente aquilo que queríamos”, conta.
Decidido de vez a transformar sua vida e ciente de que aquilo era possível e dependia apenas dele, Galdino começou a estudar. “Porque a educação abre novos horizontes”, resumiu. Hoje, ele está terminando o curso de Direito e não esperou a formatura para iniciar outro: já começou a cursar também Gestão Pública.
E foi dentro da prisão que ele conheceu a atual esposa. “Ela era uma das voluntárias da Universal. No primeiro dia de namoro a pedi em casamento”, conta ele. “Nos casamos e fomos morar com meus 4 filhos e os 2 dela. Tivemos mais 2 filhos juntos”.
A reviravolta
Mas não é apenas na vida amorosa que a história de Galdino deu certo. “Trabalhei por 16 anos como segurança na Assembleia Legislativa. Foi onde conheci o atual governador do Estado, Ricardo Coutinho (PSB). Como eu realizava bem o meu trabalho, fui indicado para assumir a direção do presídio de Sapé (interior do Estado da Paraíba). Um convite que recebi em choque, eu não podia acreditar.”
O mais impressionante dessa história não é apenas Galdino ter ido de detento a diretor de presídio, mas o de ter feito seu trabalho com tanto sucesso que despertou a atenção de autoridades e até mesmo da imprensa, que foi até lá ver de perto uma história na qual os números não deixam mentir: a cada cem pessoas que passam pela sua prisão, apenas duas reincidem. Um contraste com as estatísticas do País, onde estudos apontam que aproximadamente 70% volta para o mundo do crime. O segredo ele mesmo conta: “Respeito. Trato os presidiários como se fossem meus filhos. Pego no pé mesmo, mas é porque os quero bem”.
Segundo pesquisa feita pelo Conselho Nacional de Educação (CNE), em 2012, 66% da população presidiária não concluiu o ensino fundamental, menos de 8% têm o ensino médio e a mesma proporção é analfabeta.
Em entrevista ao programa “Domingo Espetacular” da Rede Record, João Fernandes, de 47 anos, contou que somente atrás das grades é que teve uma chance de aprender a ler e a escrever. “Estar aqui melhorou muita coisa na minha vida, dentro de mim. Eu tive uma oportunidade muito grande de encontrar esse estudo para mim agora”.
Givanildo Alves da Costa, ex-detento, condenado por estelionato, foi um dos tantos que saiu de Sapé e conseguiu um emprego. “É muito difícil você sair do sistema prisional e voltar para o mundo sem uma perspectiva de vida. Você sai perdido”.
Contudo, o trabalho de Galdino não se limitou apenas aos muros do presídio que ele dirige. “Visito outros presídios como voluntário e converso com cada pessoa que está ali dentro. Digo para eles primeiro acreditarem em Deus, que Ele pode fazê-los feliz, e depois para acreditarem em si mesmos. Eu entendo como é estar na situação deles, mas se eu superei todo mundo pode. Só depende de cada um”, conclui. ASSISTA A ENTREVISTA DO EX DETENTO, QUE É DIRETOR DE UM PRESIDIO "EXEMPLO".