Saio da garagem do apartamento rumo ao trabalho e levo uma fechada de carro, por um cidadão ao telefone celular.
Olho com aquela expressão que não precisa dizer mais nada e, para começar bem o dia, lá está ele com um gesto com a outra mão (volante a deriva, claro) e um ‘que foi’ (vidro fechado, não ouvi...vi em seus lábios nervosos).
Início de trabalho, processos com os mais variados problemas: vizinho mata o outro por briga de lixo; jogador de final de semana atira em outro porque fez piada da derrota; gangue de jovens bate em outra em saída do shopping, etc
Hora do almoço. Desço o elevador e, ao ver um casal vindo na direção, seguro a porta já a fechar. Entram. Sorrio por ter conseguido ajudá-los. Secamente, só me olham e voltam a conversar.
Chego ao restaurante e uma criança está aos gritos à mesa, bate na mãe e joga a comida por todo lugar. Apenas um ‘não faz isso meu querido....’ e lá vai outra batatinha ao chão...
Volto ao trabalho. Audiências. Depoimentos e ‘era ele ou eu’, ‘não vi nada e nem queria ver’, ‘só por Deus mas ninguém agüentava ele’, ‘é culpa da droga doutor’, etc
Final de dia. Uma saída de bicicleta para queimar o azedo... ops...calorias e lá passa um carro, com som a sair pelo porta mala (será que toda a cidade gosta mesmo de...que barulho era aquele? Nem meu U2, com ipod dentro do ouvido, conseguiu competir...).
Ah, jogou uma garrafa long neck pela janela. Quicou no chão...foi...foi...subiu a calçada...pronto, quebrou. Vidros pela calçada.
Chego a um cruzamento. O semáforo abre e um pedestre ainda na faixa quase é atropelado. O motorista – em seu estudo do Código de Trânsito – grita pela janela: “olha o farol, caramba!”
Chego a outro cruzamento, e, após um bom tempo a esperar (não há semáforo no local), eis que um motorista diminui a velocidade, pára e pelo para-brisa emana um gesto de ‘pode passar’.
Agradeço. Sigo a travessia.
Após uma hora, uma parada em um posto, para um isotônico (tá, ninguém fala ‘vou tomar um isotônico’...mas aqui é melhor escrever assim a falar a marca...) e, hum.. estão sem trocado. “Faz o seguinte, o senhor paga da próxima vez que voltar”, diz a responsável.
Agradeço. Tomo o...isotônico.
Volto ao prédio. Guardo a bike e espero o elevador. Chega lotado. Uma senhora me vê com a fantasia de esportista, cansado, um pouco ofegante e, com um sorriso, afasta-se do grupo: “pode subir, você deve estar querendo chegar logo em casa, tá cansado”.
Agradeço. Digo que prefiro esperar para não esbarrar suado nos outros.
Agradeço novamente. A senhora também agradece, volta e se vai.
Chego ao apartamento. Tomo um banho. Vou para a sacada e fico a pensar:
por que os dias não poderiam ser sempre do “pode passar” em diante?
Bom, amanhã vamos ver onde começa o dia....ou onde estará o ‘pode passar’ que alimenta a esperança nas pessoas...
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